“Hoje, tenho eu a impressão de que o ‘cidadão comum e branco’ é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afrodescendentes, homossexuais ou se autodeclarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos”.
(Ives Gandra da Silva Martins)
A excelente reportagem produzida pela Revista Veja mostra, claramente, como a política desencadeada pelo governo Lulla provoca a divisão dos brasileiros em raças e provoca a instabilidade e o terror. Os mestiços que moram nas proximidades de quilombos declaram-se negros para não perderem o direito a terra e tornarem-se objeto de ‘desintrusões’. Comunidades de caboclos, na região amazônica, assumem ares indígenas para pleitear demarcações antes que outras comunidades vizinhas o façam e provoquem sua expulsão da área que habitam. É o caos instalado em uma nação que permite que ONGs, muitas vezes estrangeiras, faturem alto produzindo laudos fraudulentos sem qualquer critério científico. É o império dos critérios ideológicos sobrepujando os científicos.
A farra da antropologia oportunista
“Critérios frouxos para a delimitação de reservas indígenas e quilombos ajudam a engordar as contas de organizações não governamentais e diminuem ainda mais o território destinado aos brasileiros que querem produzir”.
Leonardo Coutinho, Igor Paulin e Júlia de Medeiros
Revista Veja, 05 de maio de 2010, edição 2.163.
“As dimensões continentais do Brasil costumam ser apontadas como um dos alicerces da prosperidade presente e futura do país. (...) as próximas gerações terão de se contentar em ocupar uma porção do tamanho de São Paulo e Minas Gerais. E esse naco poderá ficar ainda menor. O governo pretende criar outras 1.514 reservas e destinar mais 50.000 lotes para a reforma agrária. Juntos, eles consumirão uma área equivalente à de Pernambuco. A maior parte será entregue a índios e comunidades de remanescentes de quilombos. Com a intenção de proteger e preservar a cultura de povos nativos e expiar os pecados da escravatura, a legislação brasileira instaurou um rito sumário no processo de delimitação dessas áreas.
Os motivos, pretensamente nobres, abriram espaço para que surgisse uma verdadeira indústria de demarcação. Pelas leis atuais, uma comunidade depende apenas de duas coisas para ser considerada indígena ou quilombola: uma declaração de seus integrantes e um laudo antropológico. A maioria desses laudos é elaborada sem nenhum rigor científico e com claro teor ideológico de uma esquerda que ainda insiste em extinguir o capitalismo, imobilizando terras para a produção. Alguns relatórios ressuscitaram povos extintos há mais de 300 anos. Outros encontraram etnias em estados da federação nos quais não há registro histórico de que elas tenham vivido lá. Ou acharam quilombos em regiões que só vieram a abrigar negros depois que a escravatura havia sido abolida. Nesta reportagem, VEJA apresenta casos nos quais antropólogos, ativistas políticos e religiosos se associaram a agentes públicos para montar processos e criar reservas. Parte delas destrói perspectivas econômicas de toda uma região, como ocorreu em Peruíbe, no Litoral Sul de São Paulo. (...)
Os laudos antropológicos são encomendados e pagos pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Mas, muitos dos antropólogos que os elaboram são arregimentados em organizações não governamentais (ONGs) que sobrevivem do sucesso nas demarcações. A quantidade de dinheiro que elas recebem está diretamente relacionada ao número de índios ou quilombolas que alegam defender. Para várias dessas entidades, portanto, criar uma reserva indígena ou um quilombo é uma forma de angariar recursos de outras organizações estrangeiras e mesmo do governo brasileiro. Não é por outro motivo que apenas a causa indígena já tenha arregimentado 242 ONGs. Em dez anos, a União repassou para essas entidades 700 milhões de reais. A terceira maior beneficiária foi o Conselho Indígena de Roraima (CIR). A instituição foi criada por padres católicos de Roraima com o objetivo de promover a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, um escândalo de proporções literalmente amazônicas. Instituída em 2005, ela abrange 7,5% do território do estado e significou a destruição de cidades, de lavouras e um ponto final no desenvolvimento do norte de Roraima - que, no total, passou a ter 46% de sua área constituída por reservas indígenas. Em dez anos, o CIR recebeu nada menos que 88 milhões de reais da União, mais do que a quantia repassada à delegacia da FUNAI de Roraima no mesmo período. Não é preciso dizer que a organização nem sequer prestou contas de como gastou esse dinheiro.
A ganância e a falta de controle propiciaram o surgimento de uma aberração científica. Antropólogos e indigenistas brasileiros inventaram o conceito de ‘índios ressurgidos’. Eles seriam herdeiros de tribos extintas há 200 ou 300 anos. Os laudos que atestam sua legitimidade não se preocupam em certificar se esses grupos mantêm vínculos históricos ou culturais com suas pretensas raízes. Apresentam somente reivindicações de seus integrantes e argumentos estapafúrdios para justificá-las. (...) Em dez anos, a população que se declara indígena triplicou. (...) Na Amazônia, quarenta grupos de ribeirinhos de repente se descobriram índios. Em vários desses grupos, ninguém é capaz de apontar um ancestral indígena nem de citar costumes tribais. VEJA deparou com comunidades usando cocares comprados em lojas de artesanato. Em uma delas, há pessoas que aderiram à macumba, um culto africano, pensando que se tratasse da religião do extinto povo anacé. No Pará, um padre ensina aos ribeirinhos católicos como dançar em honra aos deuses daqueles que seriam seus antepassados.
(...) O paradoxo é que, em certas regiões, é preciso ser visto como índio para ter acesso a benesses da civilização. As ‘tribos’ têm direito a escolas próprias, o que pode ser considerado um luxo no interior do Norte e do Nordeste, onde milhões de crianças têm de andar quilômetros até a sala de aula mais próxima. ‘Aqui, só tinha escola até a 8ª série e a duas horas de distância. Depois que a gente se tornou índio, tudo ficou diferente, mais perto’, diz Magnólia da Silva, neotupinambá baiana. Isso para não falar da segurança fornecida pela Polícia Federal, que protege as terras de invasões e conflitos agrários. ‘Essas vantagens fizeram as pessoas assumir artificialmente uma condição étnica, a fim de obter serviços que deveriam ser universais’, constata o sociólogo Demétrio Magnoli.
A indústria da demarcação enxergou nas pequenas comunidades negras mais uma maneira de sair do vermelho e ficar no azul. Para se ter uma idéia, em 1995, na localidade de Oriximiná, no Pará, o governo federal reconheceu oficialmente a existência de uma comunidade remanescente de um quilombo - e, assim, concedeu um pedaço de terra aos supostos herdeiros dos supostos escravos que supostamente viviam ali. Desde então, foram instituídas outras 171 áreas semelhantes em diversas regiões. Em boa parte delas, os critérios usados foram tão arbitrários quanto os que permitiram a explosão de reservas indígenas. Também no caso dos remanescentes de quilombolas, a principal prova exigida para a demarcação é a autodeclaração. Como era de esperar, passou a ser mais negócio se dizer negro do que mulato. ‘Desde que o governo começou a financiar esse tipo de segregação racial, os mestiços que moram perto de quilombos passaram a se declarar negros para não perder dinheiro’, diz a presidente do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro, Helderli Alves. Índio que não é índio, negro que não é negro, reservas que abrangem quase 80% do território nacional e podem alcançar uma área ainda maior: o Brasil é mesmo um país único. Para espertinhos e espertalhões.
Os novos canibais
O baiano José Aílson da Silva é negro e professa o candomblé. Seu cocar é de penas de galinha, como os que se usam no Carnaval. Silva se declarou pataxó, mas os pataxós disseram que era mentira. Reapareceu tupinambá, povo antropófago extinto no século XVII. Ele é irmão do também autodeclarado cacique Babau, que vive em uma área que nunca foi habitada pelos tupinambás. Sua ‘tribo’ é composta de uma maioria de negros e mulatos, mas também tem brancos de cabelos louros. Há seis anos, o grupo invade e saqueia fazendas do sul da Bahia, crimes que levaram Babau à prisão. Seu irmão motorista também esteve na cadeia, por jogar o ônibus sobre agricultores. As contradições e os delitos não impediram a FUNAI de reconhecê-los como índios legítimos e de oferecer-lhes uma reserva gigantesca, que englobaria até a histórica Olivença, um das primeiras vilas do país.
Teatrinho na praia
Os boraris viviam em Alter do Chão, a praia mais badalada do Pará. Com pouco mais 200 pessoas, a etnia assimilou a cultura dos brancos de tal forma que desapareceu no século XVIII. Em 2005, Florêncio Vaz, frade fundador do Grupo Consciência Indígena, persuadiu 47 famílias caboclas a proclamar sua ascendência borari. Frei Florêncio ensinou-lhes costumes e coreografias indígenas. O ‘cacique’ Odair José, de 28 anos, reclamou do fato de VEJA tê-lo visitado sem anúncio prévio. ‘A gente se prepara para receber a imprensa’, disse. Seu vizinho Graciano Souza Filho afirma que ‘ele se pinta e se fantasia de índio para enganar os visitantes’. Basílio dos Santos, tio do ‘cacique’, corrobora essa versão: ‘Não tem índio aqui. Os bisavôs do Odair nasceram em Belém’.
Macumbeiros de cocar
Os cearenses de São Gonçalo do Amarante vivem um tormento. Sede do Porto de Pecém, o município espera abrigar uma refinaria, uma siderúrgica e um complexo industrial. Um padre, no entanto, convenceu seus fiéis de que esses investimentos os expulsarão do local. Sua única saída para ficar lá seria declararem-se indígenas. ‘Querem nos tirar terras que nossos pais e avós compraram com muito suor’, reverbera o agente de saúde Francisco Moraes. Eles, então, compraram cocares, maracas e passaram a se pintar. ‘A gente sempre foi índio, só não sabia’, diz Moraes, que agora se apresenta como ‘Cacique Júnior’ e cultiva supostos hábitos dos índios anacés, extintos há 200 anos. ‘Faço macumba e a dança de São Gonçalo. ’ A questão é que a origem da macumba é africana e a da dança, portuguesa.
Made in Paraguai
Há dezoito anos, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) importou índios paraguaios e argentinos para o Morro dos Cavalos,
Índio bom é índio pobre
Em 2000, cinquenta famílias de guaranis se mudaram para uma praia em Peruíbe, no Litoral Sul de São Paulo. A terra que eles ocuparam é infértil, mas ainda assim poderiam ter feito um ótimo negócio. O empresário Eike Batista queria construir um porto no local e ofereceu aos índios uma fazenda produtiva, com infraestrutura, dois rios, um pesque-pague e até caça. Mais: daria 1 milhão de reais a cada família. A tribo tirou a sorte grande - ou quase. A FUNAI barrou o acordo em 2007. Alegou que os sete anos de ocupação irregular da área converteram os índios em moradores tradicionais do local. A chefe Lílian Gomes lamentou. Moradora da região desde 2002, ela é casada com um caminhoneiro (branco), tem carro, TV, computador, faz compras no supermercado e não conseguiu impedir a FUNAI de enterrar a melhor oportunidade de ascensão social que seus liderados tiveram.
Problema dos brancos
Trezentos pequenos agricultores das gaúchas Erechim, Erebango e Getúlio Vargas estão prestes a perder suas terras. Em 2006, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) transferiu para a região um grupo de 63 guaranis de outros locais do Rio Grande do Sul. Os índios ergueram uma favela em volta de fazendas constituídas por italianos, alemães e poloneses há mais de 150 anos. Estão vivendo em condições subumanas. ‘A gente veio para cá porque o CIMI prometeu mais terras, mas estamos na miséria’, diz um dos líderes guarani Severino Moreira. Seu sofrimento é passageiro. A FUNAI declarou que a terra é uma área tradicional dos índios, sugeriu a criação de uma reserva no local e a expulsão dos colonos. São esses últimos, agora, que terão problemas.
Os ‘carambolas’
Nunca se soube da existência de quilombos no Amazonas. Mas há quatro anos apareceu um
Não basta ser negro
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) dividiu uma comunidade negra que vive na região central do Rio Grande do Sul desde o início do século XIX. O INCRA demarcou na área um quilombo chamado São Miguel. Parte dos negros se opôs ao processo. José Adriano Carvalho explica por quê: ‘O INCRA veio com papo de regularizar minhas terras, mas, quando mostrei que a documentação estava em ordem, eles disseram que a intenção era tirar os brancos daqui’, afirma. Carvalho se recusou a declarar que era descendente de quilombolas e, por isso, pode ser expulso da terra onde nasceu, há 68 anos.
Hiram Reis e Silva
Coronel de Engenharia, professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
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