Por: Jorge Fontoura
Doutor em direito internacional, professor titular do Instituto Rio Branco e membro consultor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Já houve quem dissesse que povos não vivem em países, senão em moedas. A contrariar tal assertiva, veio por algum tempo o projeto mais ousado e criativo de toda a geopolítica mundial: a integração europeia, com sua ambiciosa proposta de moeda única. Agora, com a crise econômica grega que abala mercados e convulsiona a economia mundial, torna-se patente a grande perplexidade acerca da sobrevivência política do modelo comunitário, consolidado nos prodígios do recente Tratado de Lisboa, em vigor a partir de dezembro de 2009.
O impasse está lançado: o velho continente não poderá defender eficazmente seus interesses e segurar a queda vertiginosa do euro sem sacrificar políticas sociais, direitos trabalhistas e previdenciários. Vale dizer, sacrificar o standard de vida de seus cidadãos, anestesiados de favores públicos, de subsídios estatais, de fundos comunitários e almoço grátis. A tarefa não será fácil, em especial para o primeiro-ministro socialista Georges Papandreou, instado a implantar na Grécia receitas monetaristas draconianas, sob a espora contundente do Fundo Monetário Internacional (FMI).
O tamanho do dilema europeu é que cortar a carne, racionalizar gastos e dinamizar a economia não é apenas impor sacrifícios esquecidos. Mais que isso, é ainda controlar câmbio e implantar política monetária e fiscal inteligente e eficaz. Inserida na eurozona desde 2001, a Grécia não possui mais moeda própria, nem autoridade monetária nacional, atrelada que está a decisões supranacionais. O Banco Central que ingere sobre a bela Hélade fica em Frankfurt e seu presidente é o francês Jean-Claude Trichet. Por um lado, mudar o euro ao sabor de um único país implica comprometer o sistema monetário comum, com profundas consequências para a Alemanha e para a França. Por outro, não mudar, significa decretar a falência virtual do sócio mediterrâneo, transferindo a colossal dívida de bilhões de euros para o passivo comunitário. Sem contar o imediato periclitar das demais economias comunitárias frágeis, particularmente o grupo designado pelo maldoso acrônimo Pigs (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), os países mediterrâneos mais Irlanda.
Se no atual patamar é difícil encontrar saída para esse labirinto — sempre os gregos —, teria sido possível evitar o problema com planejamento, controle e previsão, o que paradoxalmente foi a marca da fase heroica de implantação do mercado comum. É inconcebível como a superburocracia de Bruxelas deixou-se levar no atual episódio por engodos grosseiros e informes falsos por tanto tempo. Foram mais de 10 anos para que se admitisse a entrada da Grécia nas então Comunidades Europeias, à espera de democracia e de contas públicas saudáveis. A reiterada aceitação de números fantasiosos e de estatísticas delirantes sugere agora lamentável deficit de comunicação e de percepção mínima da realidade. Sempre a apregoar a hegemonia das ideias, a mercocracia europeísta deixou de funcionar, imobilizada em sua parafernália de tratados, de instituições e mesmo de cultura comunitária complacente.
O mal já está feito e apesar do aporte apenas paliativo de 110 bilhões de euros, cerca de 10% do PIB brasileiro, fornecidos pela Comissão Europeia, por alguns países europeus e pelo FMI, a Europa sai do imbróglio menor do que era e infinitamente aquém do que poderia ter sido. Se a vida em comum traz contratempos impensáveis, há também vantagens e é certo que a força de trabalho grega sairá em ordas em direção aos vizinhos estáveis, beneficiada pela livre circulação que se garante à cidadania comunitária. Nem os ingleses, que não quiseram participar da moeda comum e que hoje se sentem aliviados na estabilidade de suas libras esterlinas, ficaram livres da invasão de trabalhadores helênicos, em busca de emprego e de salários. Resta apenas saber o que os eleitores contribuintes dos 27 países comunitários acharão de tudo isso: há futuro para a União Europeia?
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