domingo, 6 de fevereiro de 2011

A BESTA CRIADA PELA BESTA!

ESTE MUNDO É UM CIRCO

Direto ao Ponto – Brasileiros Inteligentes Acordem...
Um golaço de Celso Arnaldo: ‘O presidente que se gaba de nunca ter lido um livro foi sucedido por alguém que se jacta de ter lido todos os livros que nunca leu’

Dilma visita uma estante de livros em companhia de Fernando Pimentel

Por Celso Arnaldo Araújo

Um recorte de jornal me assombra desde o dia 26 de dezembro, quando saiu no caderno Poder, da Folha, matéria do competente Fernando Rodrigues com o título “Dilmoteca básica”. Seis dias antes da posse, o jornal pretendia contrapor o perfil da presidente eleita ao do padrinho, sobretudo em termos culturais.
Há textos que você começa a ler e não consegue mais parar. Outros que você não consegue deixar de largar. Este tem o dom de inverter as forças de atração: é ele que não me larga desde a primeira leitura, há mais de um mês. O recorte correspondente me acompanha, como um miasma, obrigando a releituras diárias, a cada dia mais espantosas. Deve ser guardado como prova de um contraste histórico que jamais se repetirá: o presidente que se gaba de nunca ter lido um livro foi sucedido por alguém que se jacta de ter lido todos os livros que nunca leu. Se leu, não assimilou. Se assimilou, nunca demonstrou. Naquele célebre vídeo do guru Marcelo Branco, Dilma levou constrangedores segundos para lembrar o livro que estava lendo, só o fazendo, penosamente, após o sopro amigo da assessora. Por isso, a tal “Dilmoteca básica” é uma coleção extraordinária de embustes transformados em gênero literário.
A tese central da matéria da Folha ─ “De todas as diferenças entre a presidente eleita e seu antecessor, uma das mais marcantes é a sólida formação literária da próxima ocupante do Palácio do Planalto” ─ é desmentida a cada linha do texto. Mas as paixões literárias da presidente são tantas e tamanhas que, a certa altura, ela diz que chegou a pensar em comprar uma casa só para guardar seu “acervo”. José Mindlin era mais modesto: o maior bibliófilo do país morava na própria casa onde mantinha seus 30 mil livros.
Não era intenção de Fernando conversar com a “bibliófila” Dilma Rousseff, mas compor seu perfil biográfico. Primeiro falou a fã de esportes, que de pronto recordou-se de sua “primeira vez” no Maracanã, em 1969. (Teria sido um jogo do Flamengo, mas ela não lembra contra quem. Detalhe que deixa essa história muito estranha: Dilma/Stella estava na clandestinidade – que tipo de guerrilheira com a cabeça a prêmio, ainda por cima mineira, se arriscaria a ir ao Maracanã à toa, naquela época duríssima? O pessoal do MR-8 esteve na porta do estádio no dia 7 de setembro daquele mesmo ano, mas para desovar o embaixador Charles Elbrick (jogavam Fluminense e Cruzeiro). Dilma se expôs para ver a festa da torcida do Flamengo: “Eu fiquei assim abestalhada com as bandeiras. É de perder o fôlego”. De perder o fôlego é o amor de Dilma pelos livros, desde cedo.
A transição de assuntos ─ domingo no Maracanã para hábitos de leitura ─ foi meio brusca. Ela desanca a falar: “Sobre a memória, quem tem razão era o Proust. Ele falava do sabor e do odor, dois sentidos primitivos que suportam um edifício imenso da recordação”. Esse Proust da Dilma, que “falava” do sabor e do odor, parece um enófilo, não o célebre escritor homônimo. Mas para provar que leu o monumental “Em busca do tempo perdido”, ela faz referência às… às madeleines, única coisa que quem nunca leu Proust sabe sobre Proust.
Depois de revelar que, “em matéria de poesia”, gosta de João Cabral, Cecilia Meirelles e Fernando Pessoa (de quem Dilma, numa entrevista célebre antes da eleição, surrupiou o célebre “navegar é preciso”, atribuindo-o a Ulysses Guimarães), entra mais um olhinho puxado na história: “Eu consigo além disso gostar do Bashô, sabe quem é Bashô?”, pergunta ela ao colunista, para em seguida responder e mostrar autoridade: “Um monge japonês que inventou o haicai”. Bem, Bashô não era monge e quem diz que ele “inventou” o haicai não é propriamente um leitor de haicais, escola poética que exige precisão formal absoluta.
Para demonstrar que não tem “um” gosto, Dilma vai então do Japão medieval de Bashô à Inglaterra vitoriana. “Gosto apaixonadamente de uma mulher chamada Emily Dickinson, a senhora de Amherst”. De novo, a leitora de fachada ou de orelha se trai com epítetos esquisitos – “senhora de Amherst”? Quem se refere assim a “uma mulher chamada” Emily Dickinson é para mostrar que sabe onde a autora nasceu, apenas isso. Gostaria de ouvir Dilma discorrendo sobre a obra de Emily. Bastaria um livro.
Espere: a coisa está ficando melhor. Ela retorna a Proust, o das madeleines. “Gostei do Proust para mais de metro”, diz a bibliófila métrica. Mas, eclética, vai logo de Paris a Ilhéus, das madeleines ao cacau: “Também adorei, aos 13 anos, quando meu pai me deu o Jorge Amado”. Como assim, “o Jorge Amado”? Ela explica: “Foi Capitães da Areia, São Jorge dos Ilhéus, todos os outros”. Ou seja: a obra toda do autor. Imagine o cenário: Belo Horizonte, 1960 ─ Dilma tinha 13 anos, ainda usava laçarotes na cabeça e Jorge Amado já tinha escrito 11 títulos. Petar Roussev chega em casa equilibrando-se atrás de um pacote de livros. Dilma adorou “o Jorge Amado”.
Era uma menina de paixões literárias arrebatadoras, ecléticas. “Amei de paixão o Machado de Assis (“o” Machado significando, claro, toda a obra dele), mas também o Monteiro Lobato.” Para não deixar dúvida sobre o Lobato a que se referia, explicou: “A Emília, o Pedrinho, a Narizinho, o Visconde, a Cuca”, a turma toda.
Pois bem: a menina que se entregava a obras completas de autores seminais deu lugar à moça idealista que pegou em armas e esteve na clandestinidade ou presa por muitos anos ─ e a biblioteca do DOPS não era exatamente a do Congresso americano. Depois, à “economista” que logo entraria para o serviço público e não largou mais o osso, sempre absorta em relatórios enormes sobre kilowatts/hora e, mais recentemente, o Minha Casa, Minha Vida. A leitura “literária” naturalmente ficou em segundo plano, não? Errado. “Eu compro muito livro, sempre mais do que consigo ler. Tenho aquela teoria de que estou fazendo um estoque (…) Vai que aconteça alguma coisa e eu não tenha condição de ficar comprando livro? Então, eu estoco”.
O melhor do estoque foi guardado para o final. O texto relata que Dilma, em viagem à China com Lula, fez uma demanda sui generis: “Enchi a paciência do embaixador para me dizer qual era o romance chinês equivalente aos romances nossos. Qual é o Charles Dickens deles. Qual era o Balzac, o Flaubert, o Shakespeare”.
Não sei se o senhor embaixador chegou a apontar o “Shakespeare chinês”, mas deve ter indicado alguma coisa: Dilma contou a Rodrigues que trouxe para o Brasil um catatau local traduzido para o inglês. Três volumes. “Mas o diabo não era isso. Eram os nomes dos personagens”. Dilma estranhou aqueles nomes esquisitos: “Temos uma baixíssima familiaridade com nomes chineses”, surpreende-se ela, sem levar em conta que os chineses também não têm muita familiaridade com nomes como Rousseff, Carvalho ou Eustáquio. Mas Dilma, que leu o Balzac chinês de cabo a rabo, não se apertou, porque tinha uma estratégia: “Você anota todos os nomes num papel para não se perder totalmente”.
Esse pedaço de papel — com os nomes chineses caprichosamente anotados pela presidente Dilma — sem dúvida valeria mais no mercado de obras raras do que os originais dos Pergaminhos do Mar Morto ou dos Protocolos dos Sábios de Sião.
A celebração da ignorância em 45 palavras
Transformado pela Universidade Federal de Viçosa no primeiro doutor honoris causa da história que nunca leu um livro nem aprendeu a escrever, o ex-presidente Lula resolveu transfomar o auditório da UFV em palco do segundo assombro da noite de 28 de janeiro. Depois de entregar-lhe o diploma, a reitora em exercício Nilda de Fátima Ferreira Soares convidou-o a assinar o Livro de Ouro que registra a passagem de visitantes ilustres. O novo doutor achou que uma assinatura era pouco. E a UFV foi premiada com o terceiro manuscrito de Lula.
Sem correções nem retoques, a coluna transcreve o documento histórico: “Para os amigos e amigas da UFV com agradecimento pelo trabalho prestado ao povo brasileiro com educação de qualidade, garantindo ao povo brasileiro a certeza de bons profissionais para atender o desenvolvimento do nosso querido Brasil. Abraços do amigo Lula. Sem medo de ser feliz”. Somadas ao diploma de doutor, as 45 palavras rabiscadas comprovam que até professores universitários decidiram aderir ostensivamente à celebração da ignorância.
Eles fugiram da escola, escaparam da cadeia e já governam o Senado
Parece que foi há muitos séculos, e no entanto faz menos de 20 anos. No começo de 1990, já não era numericamente desprezível o bloco dos senadores cujo prontuário implora por longas temporadas na cadeia, em regime de estudos forçados. Mas havia vida inteligente e homens de bem no Senado. Os melhores e os mais capazes conseguiam, simultaneamente, enquadrar os imbecis sem remédio, manter os delinquentes sob estreita vigilância, conduzir a instituição e garantir-lhe a independência. Eles sabiam remover tumores que colocassem em risco valores morais irrevogáveis. Nada a ver com a Casa do Espanto que Lula criou e o clube dos cafajestes agora administra.
O presidente nem tentaria fazer em 1990 o que anda fazendo há meses com um Senado em estado terminal. Mesmo que tivesse atingido os 103% de popularidade prometidos pelos institutos de pesquisa, logo saberia com quem estava falando. O mais loquaz dos governantes perderia a fala no segundo minuto de conversa com Afonso Arinos ou Roberto Campos. O capitão-do-mato não iria além da primeira grosseria se o aliado fosse Darcy Ribeiro. O palanqueiro debochado não se atreveria a insultar oposicionistas como Mário Covas ou Franco Montoro.
É por saber com quem está falando que Lula humilha antigos companheiros e ofende adversários. Sabujice não inspira respeito. Não se teme o revide que não virá. É por saber com quem está lidando que Lula abençoa a base alugada com salvo-condutos, absolvições sumárias, agrados retóricos e presentes em dinheiro. Não há um acordo políticos entre o ex-sindicalista que ficou moderno e os velhos oligarcas que se tornaram menos antigos. O que houve foi um acerto entre um presidente deslumbrado e gente que se alia a qualquer governo para manter-se no poder e ganhar muito dinheiro com a corrupção institucionalizada.

Quem acompanhou na terça-feira o depoimento de Lina Vieira e, nesta quarta, a sessão do Conselho de Ética viu em ação um bando fora-da-lei, esbanjando truculência e cinismo no cumprimento de missões confiadas pelo chefe. A quadrilha do faroeste subjugou o lugarejo. O presidente honorário é José Sarney. Paulo Duque comanda o Conselho de Ética. Romero Jucá lidera a bancada do governo e é o relator da CPI da Petrobras presidida pelo suplente amazonense. Renan Calheiros chefia a base alugada. Fernando Colllor comanda uma comissão. Abjeções como Wellington Salgado e Almeida Lima aceitam qualquer encomenda. Tudo parece dominado.
O PT foi reduzido por Lula a duas consoantes descartáveis. A líder do governo no Congresso é Ideli Salvatti, um berreiro à procura de uma ideia. O líder da bancada é Aloízio Mercadante, promovido a Herói da Rendição por atos de bravura em defesa de capitulações ultrajantes. Nesta semana, constatou-se que aprendeu com Eduardo Suplicy a fazer de conta que acha intragável o que não para de engolir.
Para fazer de conta que não gostou da absolvição de Sarney, crime que ajudou a tramar por ordem de Lula, colocou o cargo à disposição da bancada. O cargo sempre esteve, está e estará à disposição da bancada. Quem finge não saber disso topa qualquer negócio para ficar. Quem quer sair se demite ─ e em caráter irrevogável. Por acharem que há limite para tudo (e por lembrarem que a eleição vem aí), os senadores Flávio Arns e Marina Silva deixaram o partido. Os que permanecerem no rebanho pastoreado pela quadrilha são comparsas.
O Senado em decomposição ensina que só os cretinos sem cura e os farsantes juramentados dividem o Brasil em esquerda e direita, soldados do povo e carrascos da elite. O que se vê é um país que acredita na democracia, ama a liberdade e respeita a lei ameaçado pela ofensiva do primitivismo. Para os dirceus e berzoinis, os burgueses malandros são apenas companheiros de viagem que encurtam o caminho que conduz ao paraíso socialista. Para os renans e jucás, os comunistas de araque são apenas os sócios do momento. Os casos para psiquiatra e os casos de polícia só acham antiético perder a eleição e a gazua. Todos têm como objetivo comum o arrombamento dos cofres federais.
É hora de cortar-lhes o avanço. O general parece invencível? A tropa parece crescer em tamanho e agressividade? A maioria parece satisfeita com a vida não vivida? Não importa. Movimentos de resistência nunca tomam forma no ventre da multidão. Não é preciso nascer grande para ter força.
Basta ter razão.

Fonte: O Grande Mentiroso - Imagens da Internet (Google)-fotoformatação (PVeiga).

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