quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

DESAFIANDO O RIO-MAR - "HOMEM, CONHECE-TE A TI MESMO!"

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 10 de fevereiro de 2011.

"Não tenho parâmetros para saber se meu esforço como canoísta é demasiado ou não para um sexagenário.O contato com a natureza e as águas parece afastar o cansaço e as dores musculares. Os desafios mantêm-me alerta, estimulado, jovem. Parar seria sucumbir ao desânimo e à dor. Já afirmei anteriormente que nada temo quando remo porque sinto como se Ele estivesse empurrando o meu remo e impulsionando a popa do caiaque".


“Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”. (Sócrates)

- Sócrates

Considerado um dos maiores pensadores da Grécia Antiga nasceu por volta do ano de 470 AC e dedicou seus primeiros estudos à essência da natureza da alma humana. Suas ideias inovadoras e qualidades de orador atraíram a atenção não só dos jovens atenienses, mas da elite conservadora que encarava Sócrates como um agitador e inimigo público. Acusado de perverter a juventude foi preso e condenado a suicidar-se tomando cicuta, em 399 AC. Uma das frases mais conhecidas atribuída ao venerável sábio é: “Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”.

- E-mail do Ir:. Carlos Afonso Urnau Athanasio

Hiram, querido Irmão, SFU!!!

Cumprimentos efusivos pela conclusão de mais uma obra! Frederico Westphalen está te acompanhando, diariamente, através dos teus relatos; professores, funcionários públicos, profissionais liberais, dentre outros, bebem do teu conhecimento. Verifico, que não falastes do “conhece a ti mesmo”, como resultado das tuas remadas pelo sem fim do Rio-Mar.

- Resposta ao Ir:. Carlos Afonso

“Na água que avançava devagarzinho, via seu rosto como num espelho e nessa imagem havia algo que lhe despertava recordações, algo de que se esquecera e que lhe voltava à memória, quando refletia um pouco: esse rosto parecia-se com o de outra pessoa que ele, Sidarta, em tempos remotos, conhecera, adorara e temera. (...) E a voz do Rio ressoava, cheia de saudade, cheia de doloroso pesar, cheia de insaciável desejo”. (Hermann Hesse - Sidarta)

Caro amigo para mim o ato de navegar transcende ao ato físico de impulsionar uma embarcação a remo. Navegar é sonhar, é deixar-se impulsionar pelas forças da natureza para a Terceira Margem, é tornar-se capaz de dissipar as brumas e avistar novos e imaculados horizontes, é deixar a alma entrar em contato com os seres da natureza e receber deles a energia e o conhecimento ancestral. Por isso amigo, afirmo categoricamente que não navego pelos Rios, mas com os Rios, eles me contam histórias, ensinam coisas das águas, das gentes, e das terras. Ao remar meu corpo se funde com o Universo e ao inspirar a suave brisa ela invade meus pulmões tonificando cada órgão, cada célula. Esses infindáveis remares estimulam meus sentidos e fazem-me elevar o pensamento ao Grande Arquiteto do Universo. Tomo conhecimento de minha pequenez física ao mesmo tempo em que reconheço minha grandeza espiritual. Perguntas-me a respeito da célebre frase atribuída a Sócrates e te respondo, amigo, são muitos conheceres, muitos personagens, muitas vidas e não sei se seria capaz de conseguir expor adequadamente minhas ideias e nem mesmo se deveria fazê-lo.

- O Profissional Apaixonado

Abracei a carreira das armas com muita paixão. Afirmo que em toda a minha vida jamais trabalhei, somente me diverti porque sempre fiz o que amava e me dava satisfação. Construí estradas, lancei bueiros e pontes atendendo às normas técnicas mais apuradas e em tempo recorde, comandei o PELOPES do 6° BECmb, campeão da 6ª DE e, principalmente participei, com muito orgulho, da formação de Cadetes e alunos do CPORPA. Nos Batalhões de Engenharia de Construção onde se trabalhava das 4h30 às vinte e duas horas, todos os dias da semana, os resultados eram por demais palpáveis e recompensavam sobejamente o esforço e o suor derramado. Rezei pela cartilha de meu pai que soube, sempre, ouvir e valorizar seus subalternos e com eles, humildemente, aprender. Emociono-me quando observo o anônimo e patriótico trabalho dos jovens militares e vêem-me à mente as palavras do poeta Domingos José Gonçalves de Magalhães (Visconde de Araguaia) – “A ti me voto inteiro, Tu és o meu amor, minha alma é tua”.

- O Esposo

Deixo, propositalmente, esta análise sem o adjetivo apropriado, pois não sei qual seria o termo adequado para qualificá-lo. Uma mágoa me acompanhará, porém, eternamente pela vida afora, não consigo me conformar ou encontrar justificativa que atenue minha aflição. Somente remando consigo, momentaneamente, esquecer este sentimento de culpa que carrego: o de ter entregado minha esposa nas mãos de um médico incompetente e desqualificado. Nada que eu faça agora poderá remediar sua situação e este fardo parece, cada dia, pesar mais e mais.

- O Pai

As atividades profissionais me afastaram de seu convívio e reconheço que muitas vezes fui um pai ausente. Minha esposa assumiu todos os encargos sem jamais reclamar e enfrentou todos os desafios como uma verdadeira “Rainha das Valquírias”. Infelizmente, não possibilitei a meus filhos a educação e as oportunidades que eles mereciam. As despesas com o tratamento de minha esposa nestes sete longos anos impediu qualquer tipo de investimento em benefício deles. É outra culpa, outra dor enorme que me aflige, felizmente eles compreendem a situação e jamais me cobraram nada e sempre me apoiaram.

- O Irmão

Alguns dizem que irmãos não se escolhe, são impostos por Deus e pelos laços sanguineos, mas, felizmente sempre pude contar com apoio deles e eles com o meu. Novamente as incontáveis transferências não permitiram, no passado, que pudéssemos permanecer juntos o tempo bastante e hoje, sempre que possível, procuramos corrigir isso.

- O Amigo

Meus amigos de sempre, meus novos amigos, amigos físicos e virtuais, são os responsáveis por tudo que tenho realizado nas minhas jornadas aquáticas. Não seria possível sem eles, meus filhos, parentes e irmãos manter o foco, a sanidade, a esperança. São os alicerces daquilo que acabou se tornando meu Projeto de vida, meu bálsamo mágico. O estímulo diário de cada um deles, através de palavras carinhosas, de e-mails estimulantes faz-me manter a cabeça erguida frente a tantas vicissitudes.

- O Argonauta

Não tenho parâmetros para saber se meu esforço como canoísta é demasiado ou não para um sexagenário. O contato com a natureza e as águas parece afastar o cansaço e as dores musculares. Os desafios mantêm-me alerta, estimulado, jovem. Parar seria sucumbir ao desânimo e à dor. Já afirmei anteriormente que nada temo quando remo porque sinto como se Ele estivesse empurrando o meu remo e impulsionando a popa do caiaque.

- O Mestre e o Discípulo

Tive o privilégio de ser chamado para ministrar aulas no Colégio Militar de Porto Alegre há dez anos e desde lá tenho tido a honra e a satisfação de aprender com meus queridos alunos. Pobre daquele que está satisfeito com o que sabe, pobre daquele que perdeu a capacidade de indagar. O Mestre deve ser capaz de se maravilhar não apenas com o extraordinário, mas também com as coisas do cotidiano. Aprendemos desde o ventre materno e continuaremos esta incessante busca mesmo depois que nossas carnes tenham virado pó.

- Pequeno deus

Talvez não tenha respondido às indagações de meu querido amigo Carlos, mas, certamente, faço, aqui, uma confissão pública de minhas limitações, de minhas dores, de meus anseios e de minhas crenças. Encerro dizendo que ao descer o Rio Negro e passar um dia inteiro remando, sem avistar viva alma senti-me no paraíso, um Adão moderno, um pequeno deus solitário a vagar por um paraíso de águas negras.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

E–mail: hiramrs@terra.com.br

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