A primeira vez que ouvi esta frase foi na música de Caetano Veloso “Os Argonautas”. Segundo a mitologia grega, Argonautas eram tripulantes da nau “Argo”, uma embarcação que partiu numa expedição em busca do vale do ouro que se encontrava na cidade de Cólquida, localizada na fronteira entre a Europa e a Ásia.
Por conta dos riscos inerentes a viagem, um arauto foi enviado por toda a Grécia com o intuito de atrair heróis para a dificílima empreitada. Em alguns meses, 50 deles se apresentaram no porto para embarcar, homens de grande renome e valor.
Se eu fosse interpretar a frase de Pessoa, a partir do mito, poderia afirmar que a coisa mais importante da vida é navegar, desatracar do porto, deixar o cais, lançar-se ao mar, ao sabor do vento, da dança das velas, ser levado pelas marés e correntes. Viver sem navegar não seria viver, mas apenas existir.
Contudo, para interpretar a frase – “viver não é preciso” – que está na poesia, é mister entender que a palavra “preciso” não foi usada no sentido de algo necessário, mas relacionada à “precisão”, ou seja, Pessoa nos ensina que navegar é algo seguro, regido por cartas náuticas, pelas estrelas, pelo aviso dos faróis, e que viver, ao contrário, é algo imprevisível, impreciso, pois a vida não se sujeita a cálculos, nem a rotas, nem a mapas.
Os anos me ensinaram, como um velho “marujo”, que existem duas formas de se viver a vida cristã. A primeira é achando que somos “heróis gregos” arregimentados pelo “capitão da nau” para empreender uma expedição pelos mares revoltos da existência em busca de receber, ao final, a “coroa de ouro”.
Tenho encontrado pessoas que acham que seguir a Cristo é algo como fazer parte de um exército, com regras rígidas, disciplina apurada, rigores acéticos, estéticos, restrições e proibições de toda sorte. Este tipo de cristianismo acaba desenvolvendo uma espiritualidade doentia, pois coloca sobre os ombros um fardo que não se pode carregar, estabelece um padrão de comportamento inalcançável, leva-nos a tentar existencializar as filosofias dos epicureus e dos estóicos que buscavam a ataraxia – a morte do “eu”. Ora, isto não é o Evangelho, mas uma distorção profunda do que ensinou Jesus! Surpreso?! Não me diga...
Por outro lado, a uma outra alternativa de espiritualidade que produz um viver mais livre, solto, pois leva-me a abraçar o “fardo” de Cristo, que é leve e suave. Quando reconheço a imprecisão da vida, que as circunstâncias não são encadeamentos lógicos, sistêmicos, leis e regras imutáveis, que Deus não tem como objetivo último me adestrar, ou domesticar, robotizando-me, serializando-me, mas que a Sua graça me basta, pois Seu poder se aperfeiçoa, justamente, nas minhas falhas, fraquezas e inconcretudes, passo, então, a viver livre do fardo da religião, que asfixia e produz simulacros existenciais.
“Quando sou fraco então é que sou forte”, pois na minha fraqueza reconheço a ação de Deus e constato que o que há em mim de bom não é obra de um programa de desenvolvimento espiritual, meritório, baseado em obras, mas fruto do Espírito Santo gerado em meu ser unicamente pela fé. E assim tomo consciência de que meu “homem interior” está sendo renovado pela Palavra de Cristo, a qual produz uma nova consciência, um “olhar” diferente sobre os matizes da vida e as idiossincrasias do mundo. É esta nova forma de pensar e agir que me permitirá discernir o que é bom e o que faz o bem, daquilo que entorpece o ser, destrói a alma, petrifica o coração, insensibiliza-me ao outro, torna-me um ser egocêntrico.
Eu não sei por quais “oceanos” você tem navegado. Nem sei como é o “timoneiro” do seu barco. Mas reconheço que em nosso meio temos estas duas opções de experimentação religiosa. Que cada um, segundo sua liberdade e consciência, faça suas escolhas. O que a vida de “marujo” tem me ensinado, nestes 30 anos navegando pelos “oceanos” da vida, como dizia a velha canção, é que “com Cristo no barco tudo vai muito bem, e passa o temporal”.
Fontes: Ministério Beréia - Genizah
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
VIVER NÃO É "PRECISO"
Por Carlos Moreira
“Navegar é preciso, viver não é preciso”. Fernando Pessoa.
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