quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

DESAFIANDO O RIO-MAR - ITACOATIARA/PARINTINS

Hiram Reis e Silva, Parintins, AM

“Ê, vem brincar no meu boi bumbá

Ê, essa dança não pode parar

Ê, vem pro boi mais querido

Querem saber o seu nome eu digo

É meu boi Garantido”
(Boi Mais Querido - Boi Garantido)

Partida para o Paraná do Panumã (02 de dezembro de 2011)

Tive de retardar, em um dia, minha saída de Itacoatiara em virtude da forte gripe. O antibiótico começava a fazer efeito, mas eu ainda estava muito abatido para enfrentar o Rio-mar. Na véspera da partida acertei as contas do Hotel Rio Amazonas e dormi a bordo do B/M Piquiatuba, felizmente a chuva torrencial que caiu a noite toda e só parou por volta da 3h30, afastou os ruidosos e mal educados populares que infestam a região portuária. Consegui dormir relativamente bem, mas, ainda, preocupado com a possibilidade de a influenza afetar meu desempenho. Parti por volta das 5h depois de engolir uma mistura energética preparada pelo Coronel Teixeira. Como estava muito escuro fui margeando a orla da cidade me guiando pelas luzes dos barcos.

Itacoatiara é um município brasileiro, o terceiro mais populoso do estado de Amazonas. Está localizado no extremo norte do país, às margens do Rio Amazonas, o maior do Brasil, ocupando uma área de 8.600 km². Sua população de acordo com o IBGE/2008 é de 87.896 habitantes. A cidade é conhecida como Cidade da Pedra Pintada por possuir na entrada da área urbana uma pedra pintada com um escrito indígena do tupi ou nheengatu itá: pedra; e coatiara: (pintado, gravado, escrito, esculpido) que deu origem ao nome atual da cidade. Itacoatiara possui um importante porto fluvial, responsável por uma grande quantidade de transporte de cargas.

Havia decidido, seguindo a orientação do Comandante Mário, percorrer o Paraná do Serpa, ao Norte da ilha do Risco, visando encurtar o trajeto e procurando compensar o dia de atraso de minha partida. No planejamento anterior eu iria passar ao sul da Ilha e pernoitar em Barreiras Vermelhas. A navegação transcorreu sem alteração até o sol surgir no horizonte, navegar à noite é sempre uma experiência singular desde que o céu esteja limpo e estrelado, o que não era o caso. Tinha estacionado para me hidratar, sem aportar, na altura da Ilha do Pai Tomaz quando dois movimentos fortes sob as águas a bombordo e a boreste me assustaram, mais uma vez um boto vermelho amigo viera me saudar. Segundo a equipe de apoio, a bordo do Piquiatuba, ele viera me seguindo desde que eu entrara no Paraná, mais adiante senti, novamente, um forte movimento sob as águas do silente amigo. Desde que iniciei minhas descidas pelos amazônicos caudais os golfinhos de rio, botos tucuxis e botos vermelhos, proporcionaram-me momentos mágicos e alguns amigos resolveram me apelidar de “Encantador de Botos”.

Passei ao sul da ilha do Mutum na saída do Paraná e apontei a proa diretamente para a ponta de montante da Ilha Panumã. Uma nuvem carregada, ao sul da Ilha, logo se transformou em chuva que conseguimos habilmente contornar, aportei num grande areal e avisei a equipe de apoio que desembarcasse para esticar as pernas. Depois da revigorante parada contornamos a Ilha para procurar um local que permitisse a atracagem do B/M Piquiatuba no Paraná Panumã. Depois de estacionados e cumpridos os procedimentos de praxe tivemos como prato principal os peixes pescados durante o trajeto. A fartura da pesca nos fez optar por consumir o pescado diariamente em ambas as refeições. À noite a companheira do Teixeira, a Juliana, que é enfermeira, me proporcionou uma saudável e relaxante massagem descobrindo e eliminando, nas minhas costas, inúmeros pontos de contratura.

Partida para a Ponta Grossa (03 de dezembro de 2011)

Alvorada às 4h45, tomei o energético preparado pelo Teixeira e as 5h estava remando mais uma vez. Logo na partida um soturno coral de guaribas anunciava o alvorecer e um cortejo de mais de 15 alegres botos tucuxis me acompanhou por mais de 40 minutos. Um casal com dois pequenos filhotes evoluía bem próximo ao caiaque e as pequenas crias saltavam tirando todo o corpo da água. Fiz uma única parada nas proximidades da Ponta da Ressaca e ao voltar para a água apontei para uma grande antena localizada na cidade de Urucurituba. Navegando no talvegue cheguei aos 14 km/h, mas nas proximidades de Urucurituba tivemos de desviar para a margem esquerda aguardando a passagem de um grande navio de carga. A chuva chegou fria e inclemente acompanhada de um forte vento de proa travando meu deslocamento e exigindo mais força para vencer as ondas que se formavam. Chegamos por volta das 11h30, depois de remar 62 km, e a chuva que nos acompanhou desde Urucurituba parou imediatamente.

Os ribeirinhos souberam que tínhamos uma enfermeira a bordo, a amiga Ana, e o líder da comunidade senhor Sebastião a procurou com um ferimento no membro inferior provocado por uma pirara apresentando dor e edema no local do ferimento. Depois do ferimento limpo e medicado e orientado a respeito dos procedimentos a serem adotados o líder nos contagiou com seus relatos. Sebastião é originário de Urucará e veio para Ponta Grossa (Ponta dos Mundurucus) há trinta anos, a passeio e aqui reside desde então. A Comunidade possui uma igreja em homenagem a Nossa Senhora da Boa Saúde, cuja festa é realizada em 16 de fevereiro depois da novena em louvor à Santa. Os atendimentos médicos são realizados em Uricará, a 4 horas de barco, e a imunização é feita pelos agentes de saúde. Segundo Sebastião, o agente de saúde residente elabora relatórios falsos sobre os programas de saúde comunitários. Sebastião divide seu dia a dia entre o entreposto de combustível e as plantações, onde cultiva milho, macaxeira, coco, banana, graviola e vende o cacau e cupuaçu “in natura”. A localidade fica sudoeste da Ilha das Garças que pertence à marinha que ele usa para a criação de gado. Dono de uma comunicação fácil ele contou o caso de um jacaré-açu de aproximadamente três metros que bateu no casco de sua embarcação fazendo-o perder todos os peixes, ele conseguiu jogar os dois netos Leandro e Leanderson, que o acompanhavam, na margem e os jovens rapidamente procuraram abrigo numa árvore infestada de formigas taxi, pequenas formigas de cor vermelha, que os atacaram impiedosamente, onde aguardaram até que o jacaré fosse morto.

Vale a pena ressaltar que, contrariando todas as expectativas, as comunicações através da Vivo estão se processando normalmente desde que saímos de Itacoatiara permitindo, inclusive, acessar a internet dos lugares mais ermos.

Partida para o Paraná do Mocambo (04 de dezembro de 2011)

Alvorada às 4h30, tomei o energético e parti para minha jornada. Um formidável coral de guaribas fazia sua apresentação na Costa do Giba, em frente à ilha das graças. Curiosamente, assim que comuniquei ao Comandante Mário para que desligasse os motores do Piquiatuba e escutasse a sinfonia os macacos cantantes, interromperam de imediato sua soturna apresentação. Parei para descansar na foz do Furo Comprido e fiquei admirando a evolução dos botos vermelhos e tucuxis que atacavam os enormes cardumes de sardinhas de rio. A água parecia ferver e as sardinhas saltavam apavoradas tentando escapar dos vorazes predadores. Prosseguindo minha jornada me deparei com as enormes e belas Barreiras do Carauaçu (erosões) a Nordeste do meu deslocamento e pedi que o pessoal de bordo as fotografasse antes que entrássemos no Furo do Albano. As Barreiras multicoloridas variavam dos 70 a 120 metros de altura e emprestavam um novo e extraordinário visual ao itinerário. No furo fizemos mais uma parada num grande areal e mostrei minha futura rota que seriam as Barreiras Vermelhas. Logo depois de sair do Furo fui acompanhado, brevemente, por um enorme boto vermelho. Fiz mais uma parada à sombra de uma enorme árvore e chamei, novamente, o pessoal de apoio para esticar as pernas e fotografar o belo local. Depois do breve descanso rumei diretamente para o Paraná do Mocambo (Arari) onde acampamos num remanso entre um banco de areia e a margem esquerda. A brisa fresca, as areias, davam um toque especial à nossa parada. A noite foi acompanhada por insistentes bufares de botos vermelhos e focos de holofotes já que estávamos no alinhamento da rota das balsas que subiam o Rio Amazonas.

Partida para Parintins (05 de dezembro de 2011)

Depois da alvorada e do energético parti para minha derradeira jornada antes de Parintins. Tinha programado passar meu aniversário na Ilha da Fantasia (Parintins). Os fortes ventos os banzeiros me acompanharam durante todo o trajeto e se intensificaram à medida que nos aproximávamos de Parintins. Na chegada contatamos o Subtenente de Engenharia Otávio, que fiscaliza a obra de recuperação do Porto de Parintins. O Exército Brasileiro interditou o Porto tendo em vista o mesmo apresentar problemas estruturais, ficar submerso nos períodos de cheia. O Porto de Parintins foi construído pelo Ministério dos Transportes e inaugurado em abril de 2006. O General Lauro Luis Pires da Silva, comandante do 2º Grupamento de Engenharia justificou a necessidade da interrupção das operações no Porto até a conclusão dos trabalhos em carta dirigida ao prefeito Bi Garcia. Há tarde fizemos um “tour” pela cidade, proporcionado pelo ST Otávio.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

E–mail: hiramrs@terra.com.br

Imagem da Iternet (Google)-fotoformatação (PVeiga).

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