Por João Bosco Leal
As eleições brasileiras provocam surpresas realmente inimagináveis. Alguns anos atrás, os da minha idade se lembrarão, o Rio de Janeiro elegeu o (*) Cacareco, um hipopótamo do zoológico local. Era um voto de protesto.
Na última eleição, fiquei surpreso com a não reeleição de alguns senadores de muitos mandatos, como Heráclito Fortes, Arthur Virgílio, Tasso Jereissati e Mão Santa. Nunca me aprofundei no conhecimento da carreira política de nenhum deles, mas fiquei surpreso ao saber que não se reelegeram.
Fernando Collor, ex-presidente da República que renunciou para não ser cassado, havia sido eleito senador da República, cargo do qual se licenciou para candidatar-se a governador de seu estado, Alagoas. Foi até cômico ouvir o jingle de campanha de Collor, onde dizia estar sendo apoiado, e apoiando, Lula e Dilma. Não foi eleito.
Roseana Sarney, acusada no passado de tantos crimes eleitorais, como quando encontraram uma fortuna em dinheiro em seu escritório, filiada ao PMDB e filha de um dos caciques desse partido e presidente do Senado Federal, foi eleita em seu estado com o apoio do PT, e penso, então, quanto, ou o que esse apoio teria custado.
Como senador, mesmo depois de tantas denúncias sob sua presidência, José Sarney, aquele que o presidente Lula disse que não pode ser julgado como "qualquer um", pois "tem uma história", foi reeleito. E realmente possui uma história, a de que, sob o seu comando, ocorreram tantas denúncias de nepotismo, atos secretos e corrupção no Senado Federal, como nunca houve em qualquer outra época da história desse país.
Gente como José Genoíno, um ex-terrorista, acusado de supostamente ser o avalista dos empréstimos de Marcos Valério e que até o momento não reconquistou uma cadeira no Congresso, é um dos que também podem ser beneficiados pelos votos obtidos por Tiririca, que, se for mesmo considerado inelegível, transferirá todo esse seu acervo de votos para a coligação partidária da qual Genoíno faz parte.
Durante seu mandato como presidente da Câmara dos Deputados, cargo para o qual foi eleito em 2003, João Paulo Cunha foi acusado de participação no "mensalão do PT", quando se descobriu um saque no Banco Rural em nome de sua esposa, e a diretora financeira da empresa SMPB, de Marcos Valério, disse à Polícia Federal que João Paulo Cunha recebera duzentos mil reais de ajuda do empresário. Tanto na campanha de 2006 como na de agora, João Paulo foi reeleito como o deputado mais votado do PT em São Paulo.
Antonio Pallocci, acusado de envolvimento na violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo quando ministro do governo Lula, está sendo um dos coordenadores da campanha política da petista Dilma Rousseff e cotado para ser Ministro da Casa Civil ou da Fazenda caso esta seja eleita.
José Dirceu, tido por muitos como a "cabeça maquiavélica" do governo Lula, havia "sumido" após as denúncias do mensalão, cuja existência Lula afirma desconhecer, apesar de Dirceu ter sido o Ministro da Casa Civil na época, mas volta e meia surgia, de acordo com a imprensa, em locais diversos, dentro e fora do país, falando em nome do governo, o que Lula, da mesma forma, afirma desconhecer.
Nessa campanha, José Dirceu já não ficou tanto na sombra e, diz a imprensa, inclusive realizou algumas viagens com a candidata do PT, entrando no avião muito antes e descendo muito depois da mesma, para não ser visto. Era quando ele a orientava sobre a campanha. E, quando a campanha, para os petistas, parecia ganha já no primeiro turno, passou, segundo a imprensa, a falar inclusive como seria o governo, "mais sindicalizado", característica de todo socialista radical, que entrega postos de comando nas mais diversas e importantes áreas do governo aos "companheiros".
Como pode ser notado, toda a turma dos que já deveriam ter ido e ainda não foram está voltando.
ACRESCENTO (PVeiga):
(*) Cacareco, um pacato rinoceronte, virou candidato de um bairro paulista que cresceu demais: Osasco. A história de uma autonomia (negada) e as 100.000 cédulas para vereador.
Dos 540 candidatos que “ofereceram suas vidas em holocausto ao bem-estar público” concorrendo às 45 cadeiras da Câmara Munipal de São Paulo, sòmente um - Cacareco - conseguiu empolgar, de maneira espetacularmente inédita o eleitorado paulistano.
A soma de seus votos é um recorde nas eleições municipais de São Paulo, pois Cacareco, sozinho, totaliza muito mais do que a legenda mais poderosa. A média do seu eleitorado mantém-se firme, com 20 a 30 votos por urna, em todos os bairros, do mais pobre ao mais rico. Aliás, o fenômeno político encarnado por Cacareco é algo que sòmente poderia ser explicado por algum sujeito muito entendido em dialética: sua candidatura ganhou corpo no seio da massa, de maneira espontânea, conquistou o restinho da classe média que ainda não morreu de fome e atingiu as mais altas camadas da burguesia. Ainda assim, tudo foi tentado contra êle: as “forças ocultas que tentam combater as correntes populares” investiram, pelos jornais, rádios e TV, numa campanha ruidosa, com o objetivo precípuo de evitar o ingresso do “elemento perigoso ao regime” na versão paulista da Gaiola de Ouro. Tal campanha ficou sem resposta. Cacareco não tinha acesso às fontes de divulgação.
O seu comitê eleitoral continuou funcionando no Jardim Zoológico de São Paulo, e Cacareco sòmente se desnorteou quando um dos seus mais ferrenhos oponentes dedicou todo um editorial à sua candidatura, no jornal mais conservador da capital paulista. Depois Cacareco se zangou quando foi intentada (e conseguida) uma solução extralegal e antidemocrática para sua candidatura: a altura dos acontecimentos em que eleitor do Cacareco se portava como torcedor do Santos F. C. - peito estufado e ar de “já ganhou” - as “forças ocultas” conseguiram que o candidato popular fôsse “exilado”, dois dias antes da eleição, para o Rio de Janeiro. O “golpe” consumou-se na calada da noite, mas a coisa não foi tão calada assim: sem mais aquela, enfiaram-no num caminhão. Aí, sim, êle se danou. Ficou perigoso. Não só para o regime, mas (e principalmente) para quem estava por perto. Mas o “Povo” e as “Classes Oprimidas” foram magnificamente à forra e concederam, aproximadamente, cem mil votos a Cacareco. Êsse movimento orginal surgiu, agora se sabe, num bairro dos mais populosos de S. Paulo: Osasco.
Foto de GEORGE TOROK
(Do Bureau de “O Cruzeiro” em São Paulo)
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