Por Cícero Harada*
cicero.harada@terra.com.br
A angústia de Dom Manoel Pestana Filho (foto), bispo emérito de Anápolis, explode na carta amiga de apelo endereçada aos seus irmãos no episcopado:
“Pelo amor de Deus! Estamos diante de uma situação humanamente irreversível. A América Latina, outrora ‘Continente da Esperança’, como a saudava João Paulo II, hoje mergulha na ante-câmara do terrorismo vermelho, aliás, como prenunciava aos pastorinhos de Fátima a Senhora do Rosário.”
“Podem parecer, a essa altura, resquícios de uma idade de trevas, mas tudo acontece como se ouviu em dezembro de 1917 (“a Rússia comunista espalhará seus erros pelo mundo, com perseguições à Igreja, etc.”). Assusta-me a corrupção dentro da Igreja, o desmantelamento dos seminários, a maçonização de Cúrias e Movimentos.”
“Horroriza-me a frieza com que olhamos tal estado de coisas. Somos pastores ou cães voltados contra as ovelhas? Somos ou não, além disso, cúmplices de uma política atéia empenhada em apagar os últimos traços da nossa vida cristã?”
Diante destas palavras duras e corajosas, lembrei-me dele. Monsenhor Pestana. Não era bispo ainda e eu, universitário quando o conheci.
Profunda lembrança guardo daquela figura. Seis horas de uma fria manhã, quinta-feira santa. Eu e vários universitários de São Paulo desembarcávamos sonolentos em Petrópolis. Lá, na Rodoviária, a nos esperar em sua batina preta, monsenhor Pestana. Apresentei-me.
Participei de um retiro com outros estudantes do Rio e de São Paulo. Foram ao todo três dias e meio de retiro espiritual. Espiritual, repito. Mas sem deixar de fazer notar as implicações teológicas e filosóficas na doutrina social da Igreja. Ele não se deixava levar pela demagogia barata do “politicamente correto”. Foi então que me ficou claro que a civilização ocidental não existiria sem o fato essencial e inquestionável da Igreja Católica e de seus ensinamentos. Sem ela ruiria a nossa civilização e a nossa cultura. Ela é parte fundamental da própria estrutura desse edifício. Findo o retiro, domingo de Páscoa, despedimo-nos. No seu olhar, espelho d’alma, o testemunho do amor a Deus e a cada um de nós. Partimos. Nunca mais o vi de perto. Nunca mais o esqueci, nem o poderia.
Encontro-o agora na tela fria do computador, graças a uma amiga. Suas palavras de angústia ante o quadro quase que humanamente irreversível de descalabros e de cumplicidades, para com políticas empenhadas “em apagar os últimos vestígios da nossa vida cristã”, tocam-me profundamente. A carta de Dom Pestana vale para todos nós, para mim, para você, porque somos partícipes da sociedade em que vivemos. Meu avô que não era católico, tantas e tantas vezes me alertava quando algo estava errado ou mal feito: “isso não está nada católico.” Hoje, tão distantes dos verdadeiros valores, mergulhados por inteiro no relativismo, não dizemos mais isso e ainda pensamos em fazer média e equilibrar na corda bamba. Seremos lançados todos no mais profundo dos abismos. Nesta hora tão grave, neste vale-tudo, as decisões e atitudes hão de ser igualmente claras e fortes. Como é fácil repetir com Ovídio aquela conhecida máxima: “Video meliora proboque, deteriora sequor” (Vejo o bem e o aprovo, mas faço o mal). Não me recordo de tê-lo agradecido como deveria por aquele retiro. Faço-o agora, também pela carta. Dom Pestana, obrigado por seu testemunho!
* Advogado em São Paulo, foi procurador do Estado de São Paulo e conselheiro da OAB-SP.
do blog do meu amigo Anatoli.
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