D'O Indivíduo-Sergio de Biasi
Eu gostaria de propor aqui uma lei empírica sobre debates filosóficos labirínticos : a qualidade da argumentação de um cidadão é inversamente proporcional à quantidade de vezes em que o sujeito cita Aristóteles.
Agora note o leitor, nada tenho eu diretamente contra Aristóteles. Ele era um gênio e coisa e tal. Enxergou muito à frente de seu tempo, como Kepler, ou Copérnico, ou Galileu, ou Newton. Aliás, mesmo quando estava citando ou desenvolvendo pensamentos originais de seus predecessores (aliás exatamente como Kepler, ou Copérnico, ou Galileu, ou Newton) ele provavelmente viu mais à frente do seu tempo do que todos esses aí somados.
Porém, para começar, permanece o fato de que muito, muito, muito ocorreu depois de Aristóteles. É absolutamente ridículo falar por exemplo de lógica modernamente num nível mais do que introdutório referindo-se apenas a Aristóteles, assim como é ridículo falar de física modernamente num nível mais do que introdutório referindo-se apenas a Newton. E em assuntos como física e biologia, embora Aristóteles tenha sido um pioneiro que lançou antes e acima de tudo projetos revolucionários sobre como pensar ciência, quase tudo que ele falou está hoje em dia completamente obsoleto e tem interesse meramente histórico.
Mas esse não é o maior problema em citar Aristóteles. O maior problema não é o contexto, e sim a forma como ele é freqüentemente citado, que é com o seguinte subtexto : “Veja bem, Aristóteles dizia isso, então deve ser verdade.”
Esse é um recurso absolutamente tolo à autoridade e não cabe num argumento sério. Não é problema mencionar que Aristóteles dizia algo, mas apresentar isso como argumento mais do que circunstancial (do tipo “olhe só, vale a pena pensar sobre isso”) para tentar estabelecer que algo seja verdade significa sair do reino da ciência, da lógica e da razão e entrar no reino do obscurantismo dogmófilo. Se algo é verdade, é verdade independentemente de Aristóteles ter percebido, e deve ser estabelecido por argumentos que se refiram à realidade, não com base em ele tê-lo enunciado. Afinal, Aristóteles também falava bobagens, como todos nós.
No entanto, isso parece escapar aos citantes em grande parte das vezes em que Aristóteles é mencionado. Ele parece ser um magneto para esse tipo de menção acrítica. Não que Einstein, Darwin e Newton não tenham também revolucionado as ciências e suas idéias servido de fundamento para grande parte do pensamento moderno. Mas parece mais amplamente percebido no caso destes últimos que suas idéias têm mérito não por serem oraculares ou misticamente inspiradas (mesmo que o tenham sido) e sim por corresponderem de alguma forma à realidade de como o universo de fato funciona. Eles não foram profetas e sim cientistas e pensadores. Assim como Aristóteles, e ele provavelmente seria o primeiro a concordar. A verdade, para ser digna deste nome, permanece verdade mesmo quando ninguém a enxerga, e não se torna ou deixa de sê-lo como efeito colateral de quantas ou quão ilustres são as pessoas que foram capazes de fazê-lo.
Um comentário:
Gostaria de comentar que a estátua na foto é de Sócrates. :-)
Saudações,
Sergio
Postar um comentário